Belém (Pará): Círio de Nazaré, o espetáculo de fé que emociona independente da religião

Desembarcamos em Belém, no Pará, na primeira semana de outubro para acompanhar um dos maiores eventos religiosos de mundo, o Círio de Nazaré. Descendo do avião já nos deparamos com a primeira imagem da grande protagonista da festa, Nossa Senhora de Nazaré, e mal sabíamos o que estaria por vir.

A relação do paraense com o Círio é muito interessante. Eles esperam o ano inteiro para viver esse momento, a cidade se enfeita para aguardar a procissão e é como se fosse a antecipação do Natal. As pessoas nos desejam Feliz Círio em todos os lugares da cidade…

Essa questão religiosa foi herdada de Portugal. O mais interessante é que o Círio já existia em Portugal desde o século 12 e ele foi inserido em Belém no século 18.

Você conhece a história do Círio de Nazaré?

Antes de contarmos sobre os festejos que duram 20 dias, sendo 15 dias as procissões famosas, acho interessante explorar um pouco sobre a história do Círio!

Foi em meados de 1700 que um pescador chamado Plácido encontrou uma pequena imagem de Nossa Senhora e decidiu levá-la para casa. Porém, no dia seguinte, a imagem sumiu e, misteriosamente, apareceu no mesmo local aonde foi encontrada. Logo, as pessoas fizeram deste local um centro de visitação, no qual foi feita uma pequena capela muito simples de palha e madeira e foi, então, devotada à Nossa Senhora de Nazaré.

O Governador da época, não satisfeito com essa história, pegou a imagem, levou para o palácio do governo e mandou cercá-la inteira. Proibiu a entrada e saída do local, além de ter colocado uma vigília. Porém, no outro dia, misteriosamente, a imagem foi encontrada no local do “achado” novamente.

O caminho que a imagem teria percorrido é praticamente o caminho que hoje se faz no Círio de Nazaré. Esse palácio fica bem próximo à Catedral. Em 1793, tem-se a primeira experiência do Círio, palavra que, do latim, significa vela.

O Círio de Nazaré acontecia diferente do que é hoje. Antes ele era celebrado no mês de setembro e somente à tarde. Esse era um período que tinha uma incidência de chuva muito grande e não tinha energia elétrica, então eram necessárias velas, para iluminar o caminho pelo qual passaria a procissão.

Altar da Glória / Crédito: Alexandre Martins

Outra curiosidade é que foi por conta do uso da vela que o nome da procissão foi batizada de Círio. As pessoas diziam “Olha…tá vindo o círio”, mas na verdade eram as velas na qual iluminavam o caminho que passaria a procissão.

Foi em 1855 em uma dessas chuvas da tarde do mês de setembro que o carro de boi que trazia a imagem atolou na altura do Ver-o-Peso. Feirantes e os pescadores tiveram que amarrar uma corda para desatolar o carro que trazia a imagem. A partir daí, foi introduzida a corda no Círio. Ela tinha na verdade uma função bem especifica de, caso houvesse um atoleiro, ela serviria para tirar o carro de boi de lá.

Foi a partir desse incidente que a corda começou a ser usada e as pessoas iam segurando nela! A corda hoje é praticamente um símbolo do Círio e muitas pessoas fazem promessas para segurá-la do começo ao fim da procissão. Levar um pedaço dela para casa é como uma benção!

A imagem original da Nossa Senhora de Nazaré encontrada pelo pescador Plácido fica acima do altar em um local que chamam de Glória, que é como se fosse um Sol e essa imagem só desce duas vezes por ano – em maio que é o mês mariano e mês de aniversário da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré e em outubro, durante o período do Círio ficando assim mais próxima dos fiéis.

Durante os 20 dias do Círio temos 12 procissões oficiais. O evento foi considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO! As Romarias principais são: Romaria Rodoviária, que é a mais longa com 51km; a Romaria Fluvial, Trasladação e o Círio de Nazaré. Na semana seguinte tem também o Círio das Crianças, uma espécie de miniatura do Círio, um caminho menor aonde tem muitas mangueiras para elas não pegarem muito sol. Na celebração dedicada às crianças há os mesmos elementos: a imagem peregrina, uma cordinha e por ali elas seguem de anjinhos.

A emoção de vivenciar o Círio de Nazaré…

Participar da Romaria Fluvial, da Trasladação e do Círio, foi uma experiência fascinante, afinal é o maior evento religioso do mundo que reúne mais de 2 milhões de fiéis.

O belenense vê o Círio como a festa mais importante do ano e a celebração faz jus da importância porquê de fato é uma experiência inexplicável. O que é o Círio? Não há definição lógica ou explicação para tal pergunta. É preciso viver, sentir e o mais importante: crer! Afinal é a crença, a esperança e a fé que faz o Círio de Nazaré ser o que é!

Uma parte de minha família é de Belém, minha mãe foi criada na cidade e apesar de ter ido à Belém poucas vezes e em outros momentos, nunca imaginei que o que falavam era de fato tão diferente e que faltariam palavras para explicar o que só o coração pode sentir.

Ao saber que ia ter essa experiência muitos da família disseram que eu voltaria do Círio com uma outra visão das que cresci ouvindo. Pensei no meu tio Barbosa, paraense que residiu em Niterói por muitos anos e todo ano se programava para ir até a cidade e acompanhar o Círio de Nazaré. Ele dizia que era uma celebração sem explicação. E foi com a ideia de “ser sem explicação” que fui à Belém viver esse momento.

Começamos pelo Auto do Círio, um evento que está fora do calendário oficial, mas vale a menção, pois leva muitas pessoas às ruas para acompanhar. É uma espécie de desfile de escola de samba com pessoas fantasiadas e pintadas, puxadas por cânticos que remetem ao encanto do Pará através do sabor da sua culinária e, obviamente, a devoção à Nossa Senhora de Nazaré. É fé misturada com cultura!

Auto do Círio / Crédito: Alexandre Martins

Auto do Círio / Crédito: Alexandre Martins

Auto do Círio / Crédito: Alexandre Martins

A Romaria Fluvial ou mais popularmente conhecida como Círio das Águas traz a imagem de Nossa Senhora em uma embarcação, que sai do Trapiche de Icoaraci até o porto ao lado da Estação das Docas. É um espetáculo único de cores, pois cada embarcação, de um total aproximado de 500, traz o seu enfeite e sua forma de homenagear a rainha da festa!

Romaria Fluvial / Crédito: Alexandre Martins

Romaria Fluvial / Crédito: Alexandre Martins

Nós fizemos o trajeto no barco Rei Salomão, da Rocha Brasil, e contou com muita animação, música, missa à bordo, sorteio de brindes e café da manhã. No momento mais áureo era nítido a demonstração da devoção de muitos e a emoção que cada um ali sentia.  E aí, começou a primeira prova que viver o Círio não tinha muita explicação, como dizia o Tio Barbosa!

Na Romaria Fluvial pude conversar com a Dona Francisca, visivelmente emocionada, me contou que saiu de Belém com 19 anos em busca de uma nova vida no Rio de Janeiro. Casou-se por lá, teve 5 filhos e uma família muito linda e para ela, estar ali depois de 52 anos voltando à sua terra com saúde era o que ela tinha para agradecer à Nossa Senhora de Nazaré. Afinal, segundo ela, tantas pessoas da sua idade já se foram e ela poder estar ali depois de passar por tanta coisa na vida era de uma emoção única! Histórias como de Dona Francisca mostram que as pessoas celebram o Círio por diversas razões não importando, idade, raça, credo, classe social ou religião. É uma festa de fé, do povo, é uma festa minha ou até mesmo sua!

Dona Francisca / Crédito: Alexandre Martins

Romaria Fluvial / Crédito: Alexandre Martins

Romaria Fluvial / Crédito: Alexandre Martins

Crédito: Alexandre Martins

Após a Romaria Fluvial, a imagem é levada até a Basílica Santuário de Nazaré através da Motorromaria, para mais tarde ir de lá até a Catedral da Sé, em sentido contrário do Círio, que é a Trasladação.

Crédito: Alexandre Martins

Motoromaria / Crédito: Alexandre Martins

A Trasladação por ser um evento noturno é de uma tamanha iluminação e beleza, algumas pessoas levam as suas velas, iluminando ainda mais o trajeto. Presenciamos promesseiros de todos os níveis, pedindo por cura de doenças, agradecendo pela vida e até por ingresso em uma faculdade. Detalhe, alguns fizeram o trajeto de quase 4km ajoelhados, como pagamento pela graça alcançada.

Trasladação / Crédito: Alexandre Martins

Trasladação / Crédito: Alexandre Martins

Mal amanhece o segundo domingo de outubro e os fogos, que pudemos ouvir do quarto do hotel, anunciam que mais um Círio vem por aí. A imagem é agora levada da Catedral da Sé até a Basílica, dentro de uma berlinda de vidro e atrelada à corda. Impressionante como a multidão quase se mata para agarrá-la para juntos percorrerem o trajeto da procissão!

Círio de Nazaré / Crédito: Alexandre Martins

Círio de Nazaré / Crédito: Alexandre Martins

Não acompanhei todo o trajeto, mas no momento que a berlinda passou por mim, fui contagiado por um sentimento de paz e de emoção indescritível! Meus olhos encheram de lágrimas rapidamente e naquele momento pude entender o real motivo do Tio Barbosa se programar todo ano para ir celebrar o Círio de Nazaré. Os paraenses dizem que o Círio não é explicável e sim, que deve ser vivido. E realmente, ao acompanhar de perto todos os festejos, digo também que só indo para ver com a alma o que o olhar não pode ver. Quem sabe assim, as pessoas poderão ver que a corda entrelaça todos nós, sem diferenças religiosas, raciais ou de classes.

Círio de Nazaré / Crédito: Alexandre Martins

Um dos fatos mais interessantes é que diversas religiões, mesmo não acreditando e tendo devoção por imagens, respeitam a celebração do Círio e até mesmo abrem as portas de suas igrejas que estão no trajeto da procissão para ajudar os romeiros. É um espetáculo de fé, companheirismo e devoção que só vivenciando para sentir.

Se organize para viver o Círio de Nazaré…

Quando o Círio acaba o Pará inteiro já começa a se organizar para o próximo, afinal é o evento religioso mais importante do Estado. O Círio de 2018 será o de número 226 e cada ano as mudanças e melhorias para aproveitar a celebração são constantes.

Dos 20 dias de celebração e, 15 dias de intensas procissões, o ideal é separar cinco noites e seis dias para vivenciar o Círio. Por que isso? O Círio de Nazaré acontece domingo e chegando na quinta-feira anterior é possível vivenciar as romarias principais sendo elas: Fluvial, Auto do Círio, Trasladação e o Círio. Depois reserve a segunda-feira para conhecer outras atrações turísticas de Belém.

Basicamente, todos os anos, no sábado bem cedo é a Procissão Fluvial seguida depois pela Motorromaria e no final pela Trasladação.

A procissão do Círio de Nazaré no domingo termina por volta de 11h ou 11h30 e cada um dos belenenses vão às suas casas para o almoço do Círio que é tipo um almoço de Natal.

Vale ressaltar que é no Círio de Nazaré que tudo fica mais caro em Belém. Então, é necessário verificar os hotéis e passagens aéreas com bastante antecedência.

Escolha um hotel que fique ao longo dos 3,6 quilômetros da procissão. Por que além de estar dentro do espetáculo, fica muito mais fácil se locomover por lá. Uma dica é utilizar a localização da Basílica de Nazaré como referência na hora de escolher o hotel.

Nossa Senhora de Nazaré de volta a Basílica / Crédito: Alexandre Martins

Segurança e multidão durante o Círio de Nazaré

Engana-se quem pensa que para vivenciar o Círio de Nazaré é preciso, necessariamente, estar no meio da multidão se amontoando. Não é! Claro que existem os devotos que ficam no aperto muito perto da corda e da berlinda e são esses que são mostrados em todos os lugares como “exemplos de fé”. Para ter fé, basta ter fé. As escolhas das pessoas ali são bem-vindas e é você que irá decidir a forma como quer vivenciar o momento!

Com o calor de Belém é importantíssimo se hidratar com muita água e usar protetor solar enquanto acompanha a procissão. Há em todos os locais muitos vendedores ambulantes e voluntários que estão prontos para ajudar em todo o trajeto.

Como todo o evento que tem multidões, é possível ser pisoteado e se machucar no meio do povo. É importante ficar atento a isso. Furtos também são comuns no meio das multidões em qualquer lugar, então, é importante tomar cuidado com carteiras, celulares e câmeras fotográficas em bolsos e mochilas.

Há multidão, calor humano e uma vivência de gente como a gente! Basta escolher se quer se aventurar na corda ou nas áreas menos tumultuadas para participar da festa. No fim, são a fé e emoção que contam!

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Você pode acompanhar o trajeto da Nossa Senhora de Nazaré pelo app “KD a Berlinda” aqui.

A revista digital Viagens e Rotas viajou para Belém para vivenciar a experiência do Círio de Nazaré a convite da Secretaria de Turismo do Governo do Pará.

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